Dia 2 - Simba Cave (2.671m) - Kikelelwa Camp (3.600m)

02-02-2025

Detalhes Técnicos:

  • Percurso: Simba Camp - Kikelelwa Camp

  • Altitude acumulada: 2.671m - 3.600m

  • Distância: ~7 km

  • Duração: 5 horas

Detalhes da Caminhada:

O dia começou cedo, com o pequeno-almoço às 7h. A noite anterior trouxe uma chuva intensa, a ponto de me fazer questionar a minha própria segurança. Ainda assim, sentia que alguém olhava por mim e que, se realmente houvesse perigo, teria ajuda para sair dali. Os efeitos secundários do Carbinib (medicação para amenizar o mal da montanha) obrigaram-me a levantar duas vezes durante a noite para ir à casa de banho.

Enfrentar a escuridão e a chuva torrencial foi um enorme desafio. Da segunda vez, tentei aguentar até de manhã, mas acabei por me mexer tanto que acordei a minha Buddy. Com toda a gentileza, ela enfrentou o frio da noite comigo e fez-me companhia até às casas de banho descartáveis. Naquele momento, percebi a sorte que tive com a Buddy que me calhou.

Em todas as viagens, a primeira noite de sono é sempre a mais complicada, e esta não foi exceção. Dormi aos soluços e descansei pouco. Ainda assim, na manhã seguinte, sentia-me surpreendentemente fresca. O pequeno-almoço – papa de aveia, fruta, torradas, ovos, café e chá – deixou-me admirada dado estarmos no meio da montanha. Na noite anterior, tinham-nos dito que o dia seguinte seria de sol, mas, ao acordarmos, deparámo-nos com um céu nublado, anunciando mais chuva.

Foi nessa manhã que o nosso guia nos deu o grito:

  • “One Team” - “One Dream”

  • “One Dream” - “One Team”

  • “All the way” - “To the Top”

  • “All the way” - “To the Top”

  • “Hakuna Matata”

Este seria o cântico que nos acompanharia até ao topo da montanha, mantendo-nos energizados e focados. Funcionava como um trigger emocional que nos alimentava a força e nos focava no objetivo que nos levava ali: “subir o kili”.

Caminhar em “Pole Pole” (que significa “devagar devagar”) revelou-se mais difícil do que esperava. Percebi como me custa abrandar o ritmo – algo que tenho aprendido ao longo dos anos, mas que nunca tinha experimentado a este nível. Este movimento contranatura, desafiava-me a mente. Decidi aproveitar para desfrutar do caminho: observar a paisagem, desfrutar da natureza e o silêncio, concentrar-me na respiração e conhecer melhor os meus companheiros de viagem.

A subida da manhã foi gradual. Começámos sem chuva, mas pouco depois começou a cair uma carga de água. Caminhávamos devagar e fazíamos paragens para comer qualquer coisa. Ao longo do caminho, íamo-nos lembrando uns aos outros de beber água. Beber 3l de água por dia é desafiante.

Chegámos ao “Second Cave” à hora de almoço, já a 3 400m de altitude. Estávamos muito perto do local onde iríamos pernoitar. Apesar da chuva, a vista para o Kibo e para os glaciares do lado este da cratera era simplesmente incrível.

Ao chegarmos ao acampamento provisório, a tenda comunitária já estava montada. Aproveitámos para nos abrigarmos, recuperar energias no calor da tenda e almoçar. Após o almoço, retomámos a caminhada. A cada metro ganho, a altitude fazia-se sentir mais. Alguns membros do grupo começaram a sentir-se mal – era algo repentino, mas, muitas vezes, bastava parar um pouco para recuperar o fôlego.

A vegetação tornava-se cada vez mais rasteira. Pelo caminho, passámos por uma passagem de água e explorámos a gruta Kikelelwa, uma formação vulcânica por onde outrora jorrava lava. Era tão profunda que não se via o fundo. Os guias mencionaram que estava habitada por morcegos e que levava ao centro do vulcão. Confesso que a ideia dos morcegos me fez ficar pelo início da gruta, mas alguns aventureiros do grupo seguiram caminho, explorando um pouco do interior da gruta, e adoraram a experiência.

O nosso acampamento estava situado num vale, muito perto da gruta. As tendas foram montadas de frente para o pico do Kilimanjaro. Era impressionante ver o topo tão próximo, mas, ao mesmo tempo, intimidante. A montanha fazia-me sentir pequena. Atrás de nós, avistava-se o cume do Mawenzi, que no dia seguinte iríamos escalar. Era menor do que o Kilimanjaro, mas impunha igualmente respeito.

Foi uma sensação indescritível estar ali, rodeada por montanhas imponentes. Senti-me feliz e grata por estar a viver aquela experiência única.

À medida que a noite caía, o acampamento mergulhou na escuridão. Tivemos sorte – as nuvens dissiparam-se, revelando um céu estrelado magnífico. As estrelas pareciam estar ao alcance da mão, brilhantes e imponentes.

O nosso ritual noturno incluía entregar os camelbak (sacos de água) aos guias, que ferviam a água e enchiam os sacos. De madrugada, já estavam prontos para serem usados. Eu misturava sempre aquatabs e sais isotónicos, esperando 30 minutos antes de começar a beber.

Nessa noite, voltámos a recorrer ao nosso querido “default bag da saudade”. Era incrível como aquele pequeno gesto despertava memórias e emoções que nos transportavam para um estado de conforto, como se estivéssemos num jantar entre amigos.

Depois do jantar, vieram os habituais jogos, que nos ajudavam a prolongar um pouco mais o serão e a fortalecer os laços dentro do grupo. A cada dia que passava, a nossa ligação tornava-se mais forte. Ri-me tanto nessa noite, de forma inesperada e com pessoas que, até então, não tinha percebido o quão divertidas eram.

Foi mais um dia repleto de desafios, de momentos de superação, mas também de alegria e de partilha. Estávamos cada vez mais perto do topo, e isso tornava tudo ainda mais especial.

Reflexão:

Este segundo dia transportou-me para as necessidades mais básicas. No escuro da noite, com a chuva a cair incessantemente, senti-me frágil e questionei se a tenda aguentaria aquela tempestade. Esse pensamento levou-me a refletir sobre as inúmeras pessoas que não têm casa. Ali, no silêncio da noite, reduzi-me ao essencial e, mais uma vez, senti uma profunda gratidão pela vida que tenho. Dei por mim a perguntar: "Porque me queixo tanto no meu dia a dia?"

Enquanto tentava adormecer, percebi que, naquele momento, nada importava mais do que sentir-me segura. E foi então que me lembrei da pirâmide de Maslow. A experiência fez-me perceber o impacto que a satisfação das necessidades básicas tem na nossa sensação de estabilidade. Pela primeira vez, questionei a minha certeza inabalável sobre a força da mente, ao perceber como, naquele momento, as necessidades do corpo se impunham sobre tudo o resto.

Mas, entre o frio e a incerteza, algo mais se revelou dentro de mim: uma necessidade profunda de confiar. Confiar no processo, no momento, nas pessoas. Desligar-me da ilusão de controlo e permitir-me viver o desconhecido sem medo.

E, apesar de tudo, estava genuinamente feliz por estar ali, a viver aquilo.

Foi então que refleti sobre o poder dos gatilhos emocionais. Lembrei-me do Grito, que me renovava a força, e do Default Bag da Saudade, que me entregava conforto. Percebi como certos estímulos podem ser âncoras emocionais que nos ajudam a regular o nosso estado interno. Decidi integrar conscientemente gatilhos emocionais positivos no meu dia a dia – pequenos rituais, músicas, objetos ou gestos que me tragam energia, foco ou serenidade quando mais preciso. Um “kit de resgate emocional” no qual tenho os meus indutores emocionais que me permitem navegar pelas emoções e moldá-las conforme necessário.

Afinal, a simplicidade torna a vida mais pura. E talvez a verdadeira força esteja em saber confiar e encontrar, nos detalhes, os elementos que nos sustentam.

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1ª Ed. Peak Performance Leadership: The Kilimanjaro Challenge - Nova SBE

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