Dia 1. Rongai Gate (1.950m) - Simba Camp (2.671m)

01-02-2025

Detalhes Técnicos:

  • Percurso: Rongai Gate - Simba Camp

  • Altitude acumulada: 1.950m - 2.671m

  • Distância: ~7 km

  • Duração: 3 horas

Detalhes da Caminhada:

O dia começou cedo, em Moshi – mal eu sabia que me estava a despedir do conforto de uma cama lavada e de um cafezinho quente. Por vezes damos como garantidas pequenas coisas, só percebendo a falta que nos fazem quando nos afastamos delas. Foi assim que começou a caminhada que me transformaria.

Depois do pequeno-almoço, enfrentámos as primeiras horas de logística: alugar o material que faltava, preparar a default bag com os nossos pertences e deixar no hotel o que não seria necessário. No cofre, guardei os objetos de maior valor e o passaporte. Foi nesse momento que me senti, pela primeira vez, a despir-me de quem era. Olhei para aquele documento e percebi que representava mais do que um pedaço de papel. Deixá-lo para trás era como despir-me de parte da minha identidade. E questionar a minha segurança.

Ali, no silêncio, aceitei o convite para descascar as minhas camadas e embarcar em ambas as viagens: a exterior e a interior.

Pouco depois, chegaram ao hotel os nossos autocarros. Éramos 27 pessoas, acompanhadas por uma equipa de porters (carregadores) que, num ápice, organizaram toda a carga. A viagem até ao ponto de partida demorou entre duas a três horas. Pelo caminho, fizemos uma paragem numa casa local para almoçar – cada um recebeu uma caixa com comida simples, mas nutritiva.

O primeiro choque de realidade surgiu quando precisei de ir à casa de banho e encontrei apenas um buraco no chão. Foi nesse instante que compreendi que esta jornada exigiria adaptação: menos análise mental e mais entrega à experiência.

Seguimos por entre aldeias e plantações de café até Nale Muru. Parámos num supermercado local para comprar água, cajus e outros essenciais. Enquanto esperava, vi uma criança, sozinha, a brincar na rua. Voltei a ver ali um convite a despistar as camadas e a voltar à minha identidade, à minha essência. E abraçar este desafio através da mente de uma criança, através de uma percepção atenta ao momento presente, sem julgamento, com abertura, curiosidade e aceitação. Deixa-se ir na experiência e ao mesmo tempo, desfruta alegre do caminho.

Ao chegar ao local de partida, percebemos que o caminho para a Porta de Rongai estava demasiado atribulado para o carro, obrigando-nos a começar um pouco antes. Os porters começaram imediatamente a carregar as malas, tendas e restante material para o primeiro acampamento, enquanto nós tratávamos do registo da subida.

O nosso guia, Mndeme, apresentou a equipa que nos acompanharia. Explicou que, no início e no final de cada dia, nos faria um briefing sobre o que vestir, as condições meteorológicas e o percurso. Foi durante essa apresentação que ouvimos pela primeira vez a canção Jambo Bwana – sem o saber, aquela melodia tornar-se-ia a banda sonora da nossa caminhada e regressaria comigo a Lisboa.

Antes de partirmos, recebemos as regras da montanha:

  • Beber muita água (3L por dia)

  • Comer bem (para estarmos nutridos)

  • Pole Pole (fazer tudo devagar)

Iniciámos a caminhada em direção ao primeiro acampamento, o Simba Camp, a 2.671 metros de altitude. Começámos por atravessar campos de milho, couves e batatas, até nos embrenharmos numa floresta de pinheiros. O cheiro fresco da vegetação e o som distante de animais criavam um ambiente quase mágico, mesmo sem os avistarmos. À medida que avançávamos, a floresta foi diminuindo, dando lugar a paisagens abertas com vistas impressionantes para as planícies quenianas.

Quando chegámos ao acampamento, as tendas já estavam montadas e esperava-nos água quente para lavarmos a cara/mãos e aquecermos os pés. Na tenda comunitária, encontrámos chá com pipocas e biscoitos – um pequeno conforto que aconchegava. As tendas individuais eram partilhadas por duas pessoas. Como chegámos cedo, ainda houve oportunidade para um "banho" com toalhitas.

Ao jantar, abrimos o default bag da saudade, que continha os alimentos que cada um deixou para partilhar. Partilhar comida que nos era familiar, após um dia na montanha, dava-nos um conforto adicional.

Após o jantar, tivemos o briefing do Mndeme, que detalhou o percurso do dia seguinte. Depois disso, ficámos todos à conversa na tenda comunitária. Entre risos, jogos e partilhas, o ambiente de compaixão e união crescia. Naquele momento, enquanto ouvia as vozes do grupo misturarem-se com o som do vento e da chuva, soube que não estávamos só a subir o Kilimanjaro. Cada um de nós estava a desconstruir partes de si mesmo e a permitir-se ser quem realmente é – muito para além do que faz e do que tem.


Reflexão:

Este primeiro dia fez-me refletir sobre o conforto do meu dia a dia — aquele que, tantas vezes, dou por garantido. A ausência das pequenas seguranças — uma cama quente, comida, roupa lavada, uma casa, água quente, uma casa de banho — fez-me perceber o quão essenciais são e como condicionam a minha sensação de estabilidade e segurança. O que antes parecia pequeno, agora era gigante. Um sentimento de gratidão invadiu o meu peito.

Deixar o passaporte, aquele pedaço de papel, fez-me refletir sobre o medo de perder a minha identidade - quem sou. Mas o que isso significava, realmente? Dei por mim a questionar o que me define… Quem sou eu: sem o que faço? Quem sou eu: sem aquilo que possuo?

Para seguir em frente nesta viagem, percebi que teria de deixar parte de mim para trás. Despir-me das camadas de segurança, conforto e certezas. Olhar-me com novos olhos. Abrir espaço para me transformar numa versão mais autêntica de mim mesma. Desde o início, senti que esta montanha não iria desafiar apenas o meu corpo, mas também a minha mente — racional e emocional — e, no final de tudo, a minha alma.

Para subir até ao topo, compreendi que teria de ir sem máscaras, sem pesos desnecessários. Não bastava caminhar pelo trilho de pedras; teria de percorrer o meu próprio trilho interior. Era uma jornada tanto pelos pés como pelo coração. E só assim, despida de todas as camadas, conseguiria ouvir o verdadeiro eco da montanha dentro de mim.

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1ª Ed. Peak Performance Leadership: The Kilimanjaro Challenge - Nova SBE

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