B26. Hoje está difícil, mas não deixamos de aparecer
Há dias em que a tempestade sou eu, e nesses dias reencontro-me na chuva.
Há momentos em que a tempestade me reflete com exatidão. Revejo-me em cada rajada de vento, em cada trovão que rasga o céu, em cada descarga de água que se entrega à terra sem hesitação. Cada gota que me molha é como uma lágrima livre, sem explicações; um segredo entre mim, o céu e a terra que se liberta.
À chuva, regresso à inocência da infância—ao riso que escapa sem aviso, ao carro que passa e me molha sem querer, aos pés que ousam desafiar as poças, ao arrepio que desperta em mim algo adormecido. É uma magia indomável, uma entrega sem resistência. Não fujo, não luto; apenas aceito o convite. Não contrario; integro-me em cada instante e abraço a inconstância.
Permito-me sentir e ser verdade.
A chuva lava-me a alma, e eu renasço.
E sempre que posso, espero até ao fim, com calma. Permaneço para sentir o cheiro da terra lavada, admirar o céu mais limpo e escutar os passarinhos e a promessa subtil da renovação. A quietude que sucede a tempestade pesa diferente—como um abraço silencioso do tempo após a libertação, um sussurro que me lembra que tudo passa. Que tudo é caminho. No meio do turbilhão, há sempre um depois, um recomeço, onde o silêncio se veste de esperança.
Cada estação, cada momento, traz a sua verdade. Mesmo à chuva, viver é bom, mas só desfruta desta beleza disfarçada quem escolhe aparecer, independentemente das condições. Não costumo correr à chuva, mas se for apanhada nela, entrego-me. Não olho para a meteorologia para sair de casa—vou! É no caminho que aprendo. E aprendo que há bênçãos invisíveis até no que parece um contratempo.
Tal como um Senhor que hoje passou por mim a correr e, com um sorriso, disse:
“Hoje está difícil, mas não deixamos de aparecer.”
Porque aparecer é escolher viver, e viver é escolher sentir tudo.