Dia 4 - Mawenzi Tarn Hut (4.315m) - Kibo Camp (4.720m)

04-02-2025

Detalhes Técnicos:

  • Percurso: Mawenzi Tarn Hut - Kibo Camp

  • Altitude acumulada: 4.315m - 4.720m

  • Distância: ~9 km

  • Duração: 4 horas

Detalhes da Caminhada:

À medida que avançávamos na caminhada, a ansiedade pairava no ar. O cume aproximava-se a cada passo. A etapa de hoje levar-nos-ia ao acampamento mais próximo do topo, de onde, durante a noite, partiríamos para o ataque final ao Kilimanjaro.

Mais uma vez, começámos por volta das 8h, desta vez em direção a oeste, subindo pelo lado leste do Kibo. O cume do Kilimanjaro estava a apenas 5 km, mas a verdadeira ascensão estava reservada para a noite.

O percurso não era tecnicamente difícil, mas tornou-se monótono, e senti a frustração a instalar-se. Durante horas, o acampamento parecia imóvel no horizonte, como um objetivo distante que teimava em não se aproximar. Lembrei-me da meseta espanhola, que percorri no ano passado quando fiz o Caminho de Santiago Francês, com as suas retas infindáveis, onde o horizonte se tornava quase uma miragem — como avistar um oásis no deserto, sempre ao alcance da vista, mas eternamente distante.

Apesar disso, foi um dos percursos de que mais gostei. Passámos grande parte do caminho a cantar. Fiquei junto de duas pessoas com vozes incríveis e deixei-me embalar pela harmonia. Sem dar conta, já tínhamos percorrido quase metade do trajeto, envoltos numa leveza contagiante. No restante percurso, as conversas fizeram-me refletir sobre o quão ténue pode ser a linha das certezas — encanta-me desafiar o meu cérebro a ver o mesmo problema de diferentes ângulos.

O objetivo do dia era simples: caminhar durante a manhã e descansar à tarde, preparando-nos para a "direta" que nos aguardava. Embora o caminho não exigisse muito esforço físico, a parte final revelou-se mais inclinada e desafiadora. Foi a primeira vez que senti o meu corpo verdadeiramente testado. Tive de abrandar o ritmo, obrigando-me a regular a respiração e o batimento cardíaco.

Apesar dos desafios, o grupo manteve-se animado. O percurso teve os seus altos e baixos, mas todos conseguimos chegar ao Kibo Camp, situado a 4.720 metros de altitude. Um arrepio percorreu-me ao pensar que, em poucas horas, teríamos de subir mais 900 metros em apenas 5 km para alcançar o topo que ficava a 5.895 metro de altura.

No acampamento, cumprimos o ritual habitual: foto junto à placa de identificação e alongamentos em grupo. Era mais do que um hábito — era um momento de união, ajudando a aliviar o corpo e a reforçar o espírito. Seguiu-se o almoço, mas foi aqui que a tensão se tornou palpável. Houve quem se começasse a sentir-se mal. Ver o entusiasmo transformar-se em mal-estar em alguns colegas foi um lembrete claro da seriedade do desafio.

Até então, sentia-me bem, mas a atmosfera carregada deixava-me alerta. O nervosismo pairava. Sabia que a noite definiria tudo. O efeito da altitude começou a afetar-me — o apetite desaparecia — mas forcei-me a comer. Sabia que o meu corpo precisava de energia.

Não me perguntei "será que vou conseguir?". Em vez disso, concentrei-me em estar atenta ao meu corpo. Três mantras guiavam-me: bebe água, mantém-te nutrida e faz tudo com calma. Estas palavras foram o meu fio condutor, especialmente naquele dia. Queria alcançar o cume, mas sem me perder no caminho. Não queria transformar esta experiência em sofrimento, mas em conquista. Criei um espaço interno de negociação, onde o "não" era tão válido quanto o "sim". Queria ultrapassar os meus limites, mas também saber recuar se fosse necessário.

A tarde foi dedicada aos preparativos: verificar bastões, garantir água suficiente, escolher as camadas térmicas certas e assegurar que as lanternas frontais tinham bateria. Aconselharam-nos a descansar, mesmo que sem dormir. Entrei na tenda, deitei-me e senti-me grata por ter companhia. A minha buddy foi uma surpresa positiva — entendemo-nos desde o primeiro dia, e essa sintonia foi essencial para atenuar os desconfortos da jornada. Ter alguém ali ajudava a equilibrar as emoções. É importante sermos flexíveis connosco e rodearmo-nos das pessoas certas.

Deitámo-nos por volta das 19h00, sabendo que às 22h teríamos de nos preparar para a subida. Dormitei já vestida, pronta para arrancar. Às 23h iniciaríamos a caminhada rumo ao ponto mais alto de África. Estava quase.

Ao fechar os olhos, percebi a agitação dos meus pensamentos. Um turbilhão de ideias invadia-me. Concentrei-me na respiração, tentando acalmar a mente. Aos poucos, fui libertando-me dessas correntes invisíveis.

Num estado de maior tranquilidade, visualizei a minha subida ao Kili. De olhos fechados, imaginei cada detalhe, sem pressões, apenas sentindo a felicidade de estar ali. Imaginar-me no topo de “Uhuru” trouxe-me uma sensação pura de liberdade e realização. Estava pronta: eu sentia.

Reflexão:

Este dia fez-me refletir sobre a paciência. O percurso era tão monótono, tão longo, que testou profundamente a minha perseverança. A certa altura, dei por mim a pensar no impacto que o grupo tinha em mim. Será que, se estivesse a fazer aquele caminho sozinha, teria sido assim tão fácil? Provavelmente não. As cantorias, as conversas e as partilhas distraíam-me e aliviavam o peso da caminhada. Mostravam-me que, mesmo em jornadas individuais, o coletivo tem o poder de suavizar o caminho.

A nossa perceção do tempo e da experiência influencia diretamente o que sentimos. Por vezes, conseguimos realizar as tarefas mais árduas, desde que encontremos formas de "anestesiar" o cérebro — manter a mente ocupada, distraída, torna-a nossa aliada. Este truque revelou-se fundamental naquele percurso interminável.

Mas, enquanto pensava em tudo o que ainda me faltava percorrer, percebia também o quão pouco controlo tinha. Não fazia ideia de como a altitude me iria afetar, nem se algum imprevisto surgiria. Esse reconhecimento levou-me a um lugar de aceitação e confiança — abracei o que a montanha tinha para me oferecer, sem resistência. Foi um exercício de menos controlo e mais entrega, que acabou por me libertar da pressão.

Estar desconectada do mundo — sem comunicações, sem notificações — trouxe-me uma conexão profunda comigo mesma, com quem me rodeava e com a própria natureza. Senti que essa ausência de ruído externo foi essencial para me ajustar às circunstâncias e permitir-me estar presente, aberta à experiência e às pessoas que a partilhavam comigo. Quando a bateria termina, quando a rede desliga, parece que verdadeiramente me conecto.

Ao deitar-me naquela noite, percebi que, por vezes, o melhor não é lutar contra as emoções, mas aceitá-las. Deixar-me estar com elas, sem pressa de mudar — tudo passa. E, através da respiração, regular-me e ir introduzindo pensamentos que ajudassem a suavizar o estado de espírito. Descobri que esta é a forma mais autêntica de lidar com o que sinto — não ir de frente contra as emoções, nem ficar presa a elas. Aceitar, respeitar e, quem sabe, dançar com elas, lembrando-me de que posso sempre trocar a música.

Foi então que uma pergunta ecoou dentro de mim: será que a verdadeira montanha era aquela que ia subir ou a que existia dentro de mim? Esta jornada física expunha camadas internas que, muitas vezes, passam despercebidas no ritmo frenético do dia a dia. Percebi que, mais do que alcançar o topo do Kilimanjaro, esta caminhada era sobre escalar as minhas próprias limitações, crenças e medos. Ver me de frente com tudo aquilo que evito com a rotina.

Em mim, crescia o compromisso de ir até onde o corpo, a mente e a alma quisessem. Queria-me superar, mas, acima de tudo, queria respeitar-me. Estava pronta para parar a qualquer momento, se sentisse que estava a causar sofrimento ao meu corpo. Aceitei que isso poderia significar não chegar ao topo, e fiquei em paz com essa possibilidade. Percebi que todo aquele caminho, por si só, já tinha valido a pena. Muitas vezes, a verdadeira vitória está em saber quando recuar.

A cada passo percebia que não se tratava apenas de alcançar o destino, mas de descobrir o que se revelava dentro de mim a cada metro em direção ao cume. Esse cume era interior. Sabia que estava a olhar “olhos nos olhos” para dentro de mim e a mergulhar em lugares profundos, onde raramente vou no dia a dia, mas onde amo estar, porque é aí que verdadeiramente me descubro.

Aos poucos, percebia que a paciência, a aceitação, a conexão e a resiliência eram as verdadeiras conquistas. E talvez seja aí que reside a verdadeira liberdade — não no topo da montanha, mas naquele espaço interno onde nos sentimos em paz, independentemente do que está à nossa volta.

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1ª Ed. Peak Performance Leadership: The Kilimanjaro Challenge - Nova SBE

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