B31. Uma prisão disfarçada de sabedoria
Romantizou-se a dor.
Fez-se dela um altar, um mestre, um caminho inevitável.
Diz-se que é preciso quebrar para reconstruir,
sofrer para saber, perder para valorizar.
E quem não sofre? Parece que vive à superfície.
Quem não sangra? Parece que não sente.
Mas perguntou-me:
E se for possível crescer sem rasgar?
E se a cura não precisar da ferida?
Começo a desconfiar dessa urgência em tornar tudo pesado.
Como se a leveza não fosse também profunda.
Como se a alegria fosse rasa, a paz uma distração,
o silêncio uma fuga.
Há dias em que olho para dentro
e não vejo um campo de batalha,
mas um jardim esquecido.
As flores estão lá, à espera de água.
As raízes, sedentas de cuidado.
Mas eu andava demasiado ocupada a entender a dor,
a interpretá-la, a justificá-la,
como se a vida só se revelasse na cicatriz.
Como estará o meu jardim interior?
Será que tenho regado o que me faz bem
ou apenas sobrevivido à espera da próxima lição?
Talvez crescer também seja isso:
escolher o que se cultiva,
dar permissão à beleza para ser mestra,
aceitar que a leveza é um lugar sagrado.
Afinal, quem disse que o amor precisa de drama para ser real?
Quem disse que o despertar só vem depois do abismo?
E se a verdadeira revolução for florescer… sem sofrer?