B35. Morremos devagar ao normalizar

Assusta-me viver numa era
em que tudo é normal.

Normalizamos tudo,
até as feridas que ardem no peito.

Escondemos sentimentos profundos
atrás de máscaras sorridentes,
silêncios ruidosos,
piadas negras.

Camuflamos a dor com humor,
ironizamos o que nos toca,
ridicularizamos o que sentimos,
como se sentir fosse fraqueza.

Quando alguém com influência
normaliza algo destrutivo,
contamina comportamentos,
molda consciências —
e o padrão propaga-se.
Amplifica.

Normaliza-se o caos.
A desordem.
Torna-se confuso.

É perigoso viver numa sociedade
que normaliza tudo,
que perde o discernimento,
que deixa de questionar.

Aceitamos. Seguimos.
Mas para onde?

Que é feito do bom senso?
Da compaixão?
Do olhar atento?

Às vezes tenho receio.
Por mim.
Pelos meus.
Pela geração futura.
Pelo legado que estamos a deixar.

Aos poucos estamos a perder
a cola que nos liga.

Morremos devagar.
E nem damos por isso.

Normalizamos.

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